domingo, 6 de agosto de 2023

Banho

 



O barulho da água caindo é um canalizador de paz. Com os olhos fechados e o queixo erguido, refugio-me num recanto distante das atribulações que se inquietam e parecem querer fugir da clausura da mente.

Ouço quando você entra e não dou muita importância, achando que, de novo, esqueceu um creme qualquer e vai sair apenas mandando “ei meu cheiro” pela porta apressada. É por isso que me assusto quando suas mãos tocam meu peito e sinto seu rosto, já se molhando, pressionando contra minhas costas num abraço apertado... e rapidamente volto a fechar os olhos, apertando suas mãos e sentindo seus cabelos, por mais curtos que sejam, colando em minha pele...

Me viro e vejo seus olhos sorrirem pra mim, junto com o traçado tão expressivo de sua boca... devaneio alguns segundos em resfolegar, com um impacto tão cheio de aconchego! E mais alguns segundos ao correr os olhos por seu corpo, já todo molhado da água que espirra em meus ombros, e encantado por cada marquinha, como se fosse a primeira vez que o vejo. É sempre um adolescente que floresce em meu peito, cheio de desejo, pressa e fulgor..., mas que o tempo me ensinou a domar, de maneira que meus olhos absorvem com prazer cada marca, curva, desenho desse templo que se arrepia com a água enquanto eu me perco te olhando.

Meu impulso, após o sorriso que me veio com uma naturalidade tão grande que é como se estivesse ali, é de te abraçar forte, com a água caindo em volta do nosso corpo... não plural. Singular. Extenso... Sentir você me puxar pra perto e levantar a cabeça pra me beijar... passar a mão em suas costas, sentindo a textura molhada e o arrepio que te faz virar o rosto de lado, se esticando e levantando a orelha, para então encostar-se de lado em meu peito. Eu me aproveito do alcance pra beijar bem devagar seu pescoço e te aperto ainda mais sobre meus braços, sentindo seu corpo reagir e a gente se excitar juntos, à medida que nossas peles ficam super conscientes do tato das extremidades do outro... sendo capazes de sentir cada movimento de respiração, da água, cada contorno do corpo que a água segue e onde nossas mãos podem alcançar, apertar...

Você afasta a cabeça, sorri pra mim e, com a mão em meu rosto, diz com sua voz sussurrada e rouca, cuja lembrança sempre arrancará um sorriso meu: “eu estou aqui com você, meu bem. Sempre!”

Então o toque cálido dos seus lábios cura a alma, transcendem o corpo e me acompanharão nos sonhos mais tenros que eu puder vir a ter...


Um comentário:

  1. Gosto que os desejos mais sinceros do seu coração se apoiam nas miudezas valiosas da vida - e por isso nem tão simples de alcançar -, como esse banho ou simplesmente acordar ao lado de quem se ama.
    "E que devaneio teimoso é a esperança..."

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