O que fazer quando um querer não pode ser gritado e levado
pelo vento? Como lidar com um desejo que, proibido, censurado, calado, não pode
lacerar o peito e tomar de impulso todo o corpo e alma desejados, em um espasmo
convulsionante, porém sincronizado, consumindo-se em saciedade?
Desde que você apareceu em meu caminho, cada boa noite
oculta um pedido, uma expressão desejosa, um sussurro que deveria ser feito ao
ouvido. Cada bom dia expressa o desejo de amanhecer em carícias leves, que
carregam na ponta dos dedos toda a eletricidade que desperta o corpo e o
espírito.
O que fazer eu não sei. Desprezo saber. Porém sei, cá errado
e persistente no erro, que quero continuar a ver-te ruborizada quando falo, com
o mesmo encantamento e a mesma dose de lascívia, tanto do seu sorriso
avassalador, belo e apaixonante, quanto das suas coxas e da curva perfeita que
seu quadril faz ao inclinar a bunda de modo provocador, esperando por meu
sorriso desajeitado e rindo de minhas palavras atrapalhadas ao ficar completamente
descompassado com seu intento.
Quero continuar a ver, ainda que apenas quando fecho os
olhos, você, completamente nua, deitada em minha cama, a pele reluzente
refletindo a fraca luz que rompe as cortinas, confortável, descansando,
recuperando o fôlego e aguardando que a alma retorne para o corpo, após ter
sido lançada em combustão. Quero recostar-me ao seu lado e alisar suas costas,
rindo ao ver o choque ao primeiro toque, e me deliciando com seu prazer ao ser
tocada, evidenciado por cada ponto de arrepio em sua pele...
E que afortunado serei eu, se cada devaneio por nós dois
construído, imaginado, trocado e alimentado, puder realizar-se, com adendos e ousados
improvisos, como chamas que se materializem do calor emanado de nossos corpos e
que resfriam em vapor a cada arfar impulsionado por nosso peito soluçante de
desejo e de êxtase. Como a materialização da suavidade áspera da pele, sempre
presente como uma imaginação abstrata, agora arranhada efusivamente em despejo
por cada arroubo insaciável de prazer.
A dúvida torna-se irrelevante, o receio do devir torna-se
distante. Não nos importa o amanhã. Nossos corpos são o agora. Nossos corações
estão em profusão. Não esperam, não duvidam, não receiam. Ambos apenas gozam
como se a exaustão fosse o alcançar do paraíso. Em uma harmonia material e
abstrata, transcendente e imanente, que une corpo e espírito em uma só pira de
fogo ardente e incessante.
Se é certo não sei. Não me importo mais. O que sei é que, se
também assim desejar, que deixemos arder!